Deve um veículo ocupar com todas as rodas uma via de trânsito quando o código menciona "ocupar"?

Artigo 38.º — Realização da manobra
(…)
3 - Para a realização da manobra, o condutor deve ocupar o lado da faixa de rodagem destinado à circulação em sentido contrário ou, se existir mais que uma via de trânsito no mesmo sentido, a via de trânsito à esquerda daquela em que circula o veículo ultrapassado.
(…)

A dúvida surge em vários contextos, seja um automóvel a ultrapassar uma bicicleta, seja uma bicicleta a ultrapassar uma outra bicicleta. Deve um automóvel passar completamente para a via da esquerda (com as quatro rodas), ou não (bastando duas)?

Esta discussão já vem desde há algum tempo e surgiu das infindáveis discussões com o nosso amigo Freire.

https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/ocupar

Para mim, o veículo que ultrapassa tem de estar na totalidade na via de trânsito adjacente. Não se fala em ocupação parcial. Uma mota tem de ir totalmente para via da esquerda, assim como tem um carro.

Reforço esta ideia com o artigo 1.º do Código da Estrada:

u) «Via de trânsito» - zona longitudinal da faixa de rodagem destinada à circulação de uma única fila de veículos;

Ou seja, numa mesma via de trânsito não pode coexistir mais do que uma fila de veículos (excepção feita aos velocípedes, consagrada em artigo próprio).

Se este “ocupar” permitisse que fosse feito apenas de forma parcial, significaria que terias duas filas de veículos numa mesma via de trânsito, algo que vai contra a própria definição de via de trânsito.

My two cents.

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Pois, isso parece-me bem, mas não é a interpretação da ANSR que, devido à ambiguidade da lei, tem a sua própria interpretação:

Depois de um pedido de esclarecimento, obtive o seguinte.

Pergunta à ANSR:

Por subsistirem dúvidas ainda relativamente a este ponto, solicito que me esclareçam:
“Também gostaria de saber se por “ocupar o lado da faixa de rodagem” (a via de trânsito à esquerda daquela em que circula o veículo ultrapassado), é entendido que todos os pneus do veículo devem encontrar-se nessa “via de trânsito mais à esquerda” ou se a legislação prevê ou legitima que se possa ocupar a faixa de rodagem ocupando-a apenas parcialmente (por exemplo, com apenas os dois pneus do lado esquerdo).”
O meu entendimento é que a faixa de rodagem deve ser ocupada com todos os pneus do veículo, mas tenho neste momento alguns interlocutores que fazem outra interpretação.

Resposta à ANSR:

Em resposta ao questionado somos a esclarecer que o tipo legal não estabelece a obrigação de ocupar na totalidade a via de trânsito à esquerda, associando à obrigatoriedade de manter uma distância lateral de 1,5 metros, crê-se que a interpretação mais lógica será a de a disposição impor a ocupação da via adjacente, sempre e no estritamente necessário para manter essa distância lateral. Caso contrário não seria necessário estabelecer a distância lateral, bastando impor a ocupação da via adjacente.

E agora? Em que ficamos? Realmente a lei não é clara, e é dada a mais que uma intepretação, o que legitima a posição da ANSR. A minha questão à ANSR também foi motivada pelas questões do João Freire…

Pois, mas a interpretação da ANSR baseia-se apenas na ambiguidade desse artigo em específico, ignorando os restantes, como, por exemplo, a definição de via de trânsito. Se quiseres reatar a conversa com eles, é uma boa pergunta que podes fazer.

Na minha experiência pessoal, a ANSR está longe de ser exemplo para explicações legais do Código da Estrada.

E este argumento faz pouco sentido. Situações poderão haver em que mesmo ocupando a via adjacente na totalidade, não consigas dar 1,5m de distância lateral (exemplo: via de trânsito em mau estado que te obrigue a circular mais à esquerda da mesma).

A mesma pergunta podes fazer: se tiveres uma rua de sentido único, com uma via de trânsito de 4,5m de largura, podes ou não ultrapassar um velocípede que circule encostado à direita?

No meu trajecto diário passo por uma via de trânsito bastante larga. Costumo facilitar e circular encostado para deixar espaço a ultrapassagens. Nenhuma é legal mas são todas feitas com espaço.

Se os carros encostarem ao traço contínuo, sobra bastante espaço para não porem ninguém em perigo. No entanto, à luz do Código da Estrada, é uma manobra ilegal.

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@pmmsanches, a manobra é ilegal nesse local porque está lá, a seguir à paragem de autocarro, um sinal vertical que proíbe a ultrapassagem, o sinal sobrepõe-se quer as marcações no pavimento quer às regras.

@powerslave, o sinal a que te referes é o c14a cuja designação é a seguinte:

C14a — proibição de ultrapassar: indicação de que é proibida a ultrapassagem de outros veículos que não sejam velocípedes, ciclomotores de duas rodas ou motociclos de duas rodas sem carro lateral;

Ou seja, neste caso, não é a sinalização vertical que te proíbe de realizar uma ultrapassagem a um velocípede.

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ANSR, ffs!

Claro que ocupar significa, ocupar uma e não a outra, e não ambas ao mesmo tempo!
Se não fosse assim e bastasse o 1.5 m a lei não precisava de ter mudado para dizer isso claramente, era óbvio que para ultrapassar alguém se pode usar a outra via, a questão nova é que TEM que se usar a outra via, ALÈM de deixar pelo menos 1.5 m de distância lateral. Ocupar a outra via toda a gente consegue fazer, determinar o que é 1.5 m de distância lateral é muito mais difícil para o ser humano médio (e não estou a ser irónica), daí as duas coisas, além da redução da velocidade, em simultâneo.

Como estratégia de mudança social, nunca dêem espaço para se considerar que ocupar não é passar totalmente para a outra via. Temos que comunicar claramente, até essa interpretação (a única que é lógica e coerente, de resto!..) ser o dogma.

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@pmmsanches, grato pela correcção :+1:

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@j_a_miranda_santos, ocupar é ocupar!

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“Ocupar é ocupar” e essa é também a minha interpretação, não havendo no código da estrada nenhuma menção ao conceito de “ocupação parcial”. E existem pontos em que ocupar é mesmo ocupar e a ocupação parcial nem faz sentido e será até ilegal. No entanto o termo é vago, e na linguagem corrente, pode-se referir “ocupar” ao acto de “ocupar parcialmente”. Daí que a lei possa ser interpretada ad libitum, sendo possível interpretar de ambas as formas. Assim, a ANSR apenas está a optar por uma delas, não incorrendo em erro completamente. Mas enfim, existem outros problemas associados à ambiguidade do termo, tal como o caso em que uma bicicleta ultrapassa outra, ou o caso em que uma bicicleta ultrapassa um autocarro que se encontre parado numa paragem. Para fazermos isso, não penso que haja muita gente que, de bicicleta, deseje passar completamente para a outra faixa, da esquerda, metendo-se entre os outros veículos motorizados que se encontram também a ultrapassar a grande velocidade. Nesse caso, a lei precisava mesmo de uma revisão que levantasse ambiguidades.

Não existe um artigo que indica que não se pode ocupar duas vias em simultâneo?

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A definição de “via de trânsito”, logo no artigo 1.º, é bem clara.

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Não é permitido, mas as autoridades fecham os olhos 99% da vezes, mantendo 1% para atemorizar. Ou seja, quem pisar o risco sabe que tem 1% (ou menos, se verificar antes que não tem polícia por perto) de probabilidade de o chatearem por isso. Aposto que se eu filmar um carro a ultrapassar o contínuo e o mostrar à polícia, ou mesmo se um polícia vir um carro a passar um contínuo, a probabilidade de fazerem alguma coisa é muito baixa. Isso é uma das coisas que me irritam na aplicação da lei em Portugal. E se a polícia for intransigente e aplicar sempre a lei, temos a bem portuguesa expressão da “caça à multa”, o que é uma aberração, sendo a lei para se cumprir. Não sei se existe uma expressão semelhante noutro país qualquer, ou se é de uso exclusivo português.

De qualquer forma, qualquer automobilista passa o contínuo numa estrada nacional para ultrapassar uma bicicleta. Mas quando confrontados com isso, agem sempre como se fossem obrigado a andar 10 km a 18 km/h antes de poder ultrapassar. Umas vítimas. A única maneira de resolver a situação (para os calar) seria alterar a legislação para permitir a ultrapassagem de bicicletas por cima do contínuo, dada a baixa velocidade destas, tal como acontece em Espanha. Assim, continua a ser uma contraordenação muito grave.

Já agora, a forma como os ciclistas se posicionam a par por vezes também é errada. Reza o código da estrada que o velocípede deve circular (a não ser que esteja a ultrapassar, obviamente), do lado direito da via. Ou seja, do seu centro até à berma. Ou na berma. Indo duas bicicletas a par, estas devem ocupar este espaço, e nunca o lado esquerdo da via, o que várias vezes se vê.

E a indefinição legal sobre se ocupar, por parte de um veículo de quatro rodas, durante a ultrapassagem, deves ser feita com duas ou com as quatro rodas, continua. Segundo a ANSR, bastam duas, mas tenho sérias dúvidas…

A mexer na lei, já agora, proponho que, queixar-se de ciclistas que andem a par, passe a ser considerado contraordenação muito grave, e que seja mesmo incluído no código penal com direito a prisão efectiva! :smile:

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Welcome back @j_a_miranda_santos!

Não aposto contigo pois sei por experiencia que assim é… nas minhas várias denuncias na altura que estava em Oeiras e fui à esquadra, mostro um video de um taxi a ultrapassar numa curva com contínuo e sem dar o 1,5mt de distância, pois a mim honestamente não me irrita assim tanto que passem no contínuo desde que o façam em segurança (como diz a lei de espanha) e o polícia não percebia a razão de eu estar a denunciar… pelo que insistia que era pela distância de segurança, de não dar os 1,5mts e ele dizia que não era possível medir e mais não sei quê, e que ele tinha passado as duas rodas para a outra via, e o camandro… então eu virei o foco e disse que mesmo que não aceitasse que eram menos de 1,5mts estava a fazer uma manobra perigosa a ultrapassar numa curva e com contínuo… lá teve de se resignar e aceitar escrever a denúncia!

Onde é que está no código o que aqui escreveste?

Logo a seguir a dizer que podem andar a par:

Artigo 90.º — Regras de condução

1 - Sem prejuízo do disposto no n.º 2, os condutores de motociclos, ciclomotores ou velocípedes não podem:

  • a) Conduzir com as mãos fora do guiador, salvo para assinalar qualquer manobra;
  • b) Seguir com os pés fora dos pedais ou apoios;
  • c) Fazer-se rebocar;
  • d) Levantar a roda da frente ou de trás no arranque ou em circulação;
  • e) Seguir a par, salvo se transitarem em pista especial e não causarem perigo ou embaraço para o trânsito.

2 - Os velocípedes podem circular paralelamente numa via, exceto em vias com reduzida visibilidade ou sempre que exista intensidade de trânsito, desde que não circulem em paralelo mais que dois velocípedes e tal não cause perigo ou embaraço ao trânsito.

3 - Os condutores de velocípedes devem transitar pelo lado direito da via de trânsito, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes.

4 - Quem infringir o disposto nos números anteriores é sancionado com coima de (euro) 60 a (euro) 300, salvo se se tratar de condutor de velocípede, caso em que a coima é de (euro) 30 a (euro) 150.

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Eu disputo essa interpretação. Não cabem duas bicicletas em segurança (ou sem ser em segurança…) em metade de uma via de trânsito. Além disso, raramente é possível cumprir o artigo abaixo circulando na metade direita de uma via de trânsito sozinho, quanto mais a pares…

Artigo 90.º — Regras de condução

3 - Os condutores de velocípedes devem transitar pelo lado direito da via de trânsito, conservando das bermas ou passeios uma distância suficiente que permita evitar acidentes.

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E cá está a pescadinha de rabo na boca. O que o @j_a_miranda_santos escreve é o que está na lei. Circulando a par, ou não, os velocípedes devem circular pela metade direita da via de trânsito. Como é que isso se consegue de forma que permita evitar acidentes? Não sei…

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