Mobilidade na Lei de Bases do Clima

Foi votada e aprovada, em 6 de Novembro de 2021, a Lei de Bases do Clima.

O texto final foi construído a partir de 8 Projectos de Lei, dos grupos parlamentares do PS, PSD, BE, PCP, PAN e PEV e das deputadas JKM e CR.

O relatório, curto (3 páginas) mas com links para tudo, do processo ao longo de um ano na Assembleia da República está disponível aqui.
Foram promovidas audições com organizações europeias nesta área, especialistas e organizações ambientalistas portuguesas. A MUBi ainda se tentou colar - quando enviámos o contributo, pedimos uma audição - mas não pegou.

O contributo da MUBi enviado na fase de consulta/auscultação pública, em Março, está aqui:

Este e os contributos de outras entidades estão disponíveis em: https://www.parlamento.pt/sites/COM/XIVLeg/11CAEOT/GTLBC/Paginas/RelatoriosActividade.aspx


O texto final da Lei, que foi a votação em Plenário, está AQUI.

O artigo 50.º diz respeito concretamente e exclusivamente à mobilidade activa:

e foi uma conquista da MUBi, pelo menos em certa medida. Não veio de nenhum dos 8 Projectos de Lei submetidos pelos partidos e deputadas. Foi acrescentado posteriormente numa proposta de alteração ao texto comum (para ser preciso: na proposta de alteração do PS, submetida em 5 de Outubro):

Que mais coisas interessantes (numa análise rápida) diz a Lei, especialmente no âmbito da mobilidade:

[Será criado o] Conselho para a Ação Climática, nos termos a definir em diploma próprio

os municípios aprovam, em Câmara e Assembleia Municipal, no prazo de vinte e quatro meses contados a partir da entrada em vigor da presente lei, um Plano Municipal de Ação Climática.
As Comissões de Coordenação de Desenvolvimento Regional elaboram, no prazo de vinte e quatro meses contados a partir da entrava em vigor da presente lei, um Plano Regional de Ação Climática, a aprovar em Conselho Regional.

A República Portuguesa está comprometida em alcançar a neutralidade climática até ao ano de 2050, (…)
Sem prejuízo do disposto número anterior, o Governo estuda, até 2025, a antecipação da meta da neutralidade climática, tendo em vista o compromisso da neutralidade climática o mais tardar até 2045.

Artigo 19.º
Metas nacionais de mitigação

  1. A Assembleia da República aprova, sob proposta do Governo, numa base quinquenal e num horizonte de 30 anos, metas nacionais de redução de emissões de gases de efeito de estufa, respeitando os seus compromissos europeus e internacionais.
  2. A República Portuguesa adota e assume as seguintes metas de redução face a 2005 de emissões de gases de efeito de estufa, não considerando o uso do solo e florestas:
    a) Até ao ano de 2030, uma redução de pelo menos 55%;
    b) Até ao ano de 2040, uma redução de pelo menos 65 a 75%;
    c) Até ao ano de 2050, uma redução de pelo menos 90%.

Artigo 22.º
Planos setoriais de mitigação
1 - De cinco em cinco anos, o Governo desenvolve e aprova, em diálogo com as estruturas representativas de cada setor, planos setoriais de mitigação das alterações climáticas a vigorar por um período de 5 anos.
2 - Os planos setoriais são consistentes com as metas setoriais de mitigação, bem como com os instrumentos de planeamento previstos nos artigos anteriores.
3 - O Governo assegura a aprovação de um primeiro conjunto de planos setoriais de mitigação no prazo de vinte e quatro meses após a entrada em vigor da presente lei.

(ou seja, até ao final de 2023 vai ter de haver um plano de mitigação para o sector dos transportes)

Artigo 28.º
Princípios orçamentais e fiscais verdes
(…)
Os subsídios fixados em legislação nacional, diretos ou através de benefícios fiscais, dos combustíveis fósseis ou da sua utilização devem ser progressivamente eliminados até ao ano de 2030;

Artigo 30.º
IRS Verde
O Governo cria e implementa uma categoria de deduções fiscais – IRS Verde – em sede de código de IRS que beneficie em termos fiscais os sujeitos passivos que adquiram, consumam ou utilizem bens e serviços ambientalmente sustentáveis, tendo em vista a promoção de comportamentos individuais que promovam a defesa do ambiente e a redução da pegada ecológica.

(não sei se é importante, mas achei curioso)

CAPÍTULO VI - INSTRUMENTOS DE POLÍTICA SETORIAL DO CLIMA
Secção I - TRANSIÇÃO ENERGÉTICA
Artigo 39.º
Política energética

  1. (…)
  2. A política energética nacional subordina-se aos seguintes princípios:
    (…)
    f) Descarbonização da mobilidade, privilegiando o sistema de mobilidade em transporte coletivo e os modos ativos de transporte, bem como a mobilidade elétrica e outras tecnologias de zero emissões, a par da redução da intensidade carbónica dos transportes marítimos e aéreos;

(isto está bom e é importante, TP e modos activos em primeiro, e mobilidade eléctrica e tecnologias a seguir)

Secção II - TRANSPORTES
Artigo 47.º
Transportes públicos
1 - Com o intuito de reduzir as emissões do setor dos transportes, assegurar aos cidadãos um acesso à mobilidade sustentável e reduzir o congestionamento nas cidades, o Estado desenvolve, nos termos da lei, uma rede adequada de transportes públicos.
2 - O Estado assegura a promoção de serviços de mobilidade integrados e multimodais.
3 - O Estado assegura que a rede de transportes públicos integra tendencialmente veículos de emissões reduzidas ou sem emissões.
4 - O Estado regulamenta o ecossistema de mobilidade partilhada, assegurando a sua tendencial descarbonização e o incremento de uma visão de economia circular.
5 - As regiões autónomas e as autarquias locais desenvolvem planos de mobilidade urbana sustentável que planeiem o desenvolvimento dos serviços de mobilidade no âmbito dos seus territórios.

(muito importante a Lei determinar que as autarquias tenham PMUS. Esta é, aliás, a 1ª medida do Manifesto Cidades Vivas. Mas foi pena segunda parte da frase não ter indicado quais devem ser os seus objectivos, e se ter ficado por uma descrição de circunstância que nada acrescenta)

Artigo 48.º
Parque e circulação automóvel
1 - O Estado incentiva a aquisição e a utilização de veículos elétricos, híbridos ou movidos a gases renováveis ou outros combustíveis que não emitam gases com efeitos de estufa.
2 - Para cumprimento do disposto no número anterior, o Estado promove o desenvolvimento de uma rede pública de carregamento de veículos elétricos, podendo, para esse efeito, cooperar com os setores privado, social e cooperativo.
3 - O Estado, as regiões autónomas ou as autarquias locais podem instituir limites à circulação de veículos automóveis em determinadas vias ou zonas, em razão dos impactos climáticos, do ruído ou da qualidade do ar.
4 - A data de referência para o fim da comercialização em Portugal de novos veículos ligeiros movidos exclusivamente a combustíveis fósseis é 2035, nos termos a definir na lei.

(a Lei do Clima em Espanha determinou que todos os municípios com mais de 50 mil habitantes têm de criar Zonas de Emissões Reduzidas até Janeiro de 2023, e Espanha já disponibilizou aos municípios 1000 M€ do PRR para isso. Pouca ambição dos nossos deputados nesta matéria e o ponto 3 deste artigo ficou muito curto)

Artigo 50.º
Mobilidade sustentável
O Estado promove a mobilidade ativa ciclável e pedonal, nomeadamente através:
a) Da elaboração e implementação de estratégias de âmbito nacional, regional ou local de mobilidade ativa ciclável e pedonal;
b) Da promoção da intermodalidade dos transportes públicos coletivos com o uso da bicicleta;
c) Do incentivo à aquisição e utilização de bicicletas;
d) Da oferta de sistemas públicos de bicicletas partilhadas;
e) Da disponibilização de redes e infraestruturas cicláveis seguras.

Secção III - POLÍTICA DE MATERIAIS E CONSUMO
Artigo 51.º
Economia circular
(…)
5- As autarquias promovem, no âmbito dos instrumentos de gestão territorial, a transformação dos espaços urbanos e do edificado no âmbito dos serviços em espaços multifuncionais.

(um pouco estranho este ponto 5 nesta secção e neste artigo)


Muitas propostas da MUBi estão aqui incluídas, umas melhor outras menos bem.
Mas não há nada sobre contenção da dispersão urbana nem sobre articulação das políticas de mobilidade com as políticas do uso dos solos.
Para a Lei do Clima estará bem que, por exemplo, como em Aveiro, se continuem a construir equipamentos desportivos longe de onde as pessoas moram. Com os pais a terem de levar os filhos lá de carro, porque practicamente não existe outro modo de lá chegar, nem para os pais e muito menos para as crianças.
E continua a existir um grande falta de coragem política em assumir frontalmente que para alcançar as metas de redução de emissões no sector dos transportes para 2030, é necessário reduzir o número de automóveis e a sua utilização.



As propostas da MUBi foram:

A MUBi apresentou à Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território as seguintes propostas e recomendações para a Lei de Bases do Clima:

Enquadramento

  • Em linha com o que defende o Parlamento Europeu, meta de redução de emissões de Gases com Efeitos de Estufa de pelo menos 60% até 2030, em relação a 2005, sem contabilizar sumidouros.
  • Antecipação do ano de neutralidade climática.
  • Incorporar os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas.
  • Estabelecer um prazo urgente para aprovação dos planos sectoriais, com metas definidas, prazos de execução e programas de dotação orçamental, e que estes deverão resultar de amplos e transparentes processos de discussão pública e procurar consensos alargados da sociedade.
  • Promover a criação do enquadramento legal, fiscal e tecnológico para uma internalização justa e eficaz dos custos externos dos transportes.

Agenda urbana

  • Implementação de políticas e medidas de urbanismo de proximidade (p.ex: “Cidade de 15 minutos”), que devem passar a integrar os instrumentos de ordenamento do território e planos e regulamentos municipais.
  • Promover a implementação de alterações do espaço público no sentido de aumentar a segurança dos modos activos, nomeadamente medidas de acalmia de tráfego, zonas 30 e de coexistência, e que tornem os espaços urbanos mais convidativos a andar a pé e em bicicleta.
  • Promover a implementação de zonas de emissões reduzidas em centros urbanos e de eco-bairros protegidos de tráfego de atravessamento e velocidades elevadas (“low-traffic neighbourhoods“).
  • Determinar a redução do limite máximo de velocidade nas localidades para 30 km/h.

Mobilidade sustentável

  • Promover a mudança da cultura da mobilidade em Portugal, para uma mobilidade mais activa e saudável, amiga do ambiente e do clima e social e economicamente sustentável.
  • Determinar que pelo menos 10% do capital investido no sector dos transportes em Portugal seja alocado à mobilidade em bicicleta, e também pelo menos 10% à mobilidade pedonal. O actual Programa do Governo na República da Irlanda já define a atribuição de 20% do orçamento do estado dedicado aos transportes para o modo pedonal e em bicicleta (10% a cada, num total de 360 milhões de euros por ano – a Irlanda tem metade da população portuguesa). Esta é também uma das recomendações do Programa das Nações Unidas para o Ambiente.
  • Estes orçamentos devem ser dirigidos para a priorização e aceleração da implementação da Estratégia Nacional para a Mobilidade Activa Ciclável (ENMAC) 2020-2020 e a antecipação das suas metas e a implementação da Estratégia Nacional para a Mobilidade Ativa Pedonal (ENMAP) 2020-2030, como a Assembleia da República tem vindo a recomendar ao Governo,. Devem ser implementadas urgentemente medidas, especialmente no que respeita à ENMAC, de:
    • Apoio à criação de redes de percursos seguros para a utilização da bicicleta (redes cicláveis), respeitando as melhores práticas internacionais, redistribuindo o espaço viário nas artérias urbanas e interurbanas e articulando com grandes equipamentos e interfaces de transporte público.
    • Implementação de soluções que promovam a complementaridade da bicicleta com os transportes públicos, designadamente:
      • parqueamentos para bicicleta nos interfaces de transporte
      • e a eliminação de barreiras ao transporte de bicicletas nos transportes públicos
    • Apoios à implementação e extensão de sistemas de bicicletas partilhadas.
    • Implementação de um sistema de bicicletas partilhadas nacional ‘last mile’, a exemplo da OVFiets (NL), integrado com os transportes públicos ferroviários e rodoviários urbanos, regionais e nacionais.
    • Programa de incentivos às deslocações pendulares casa-trabalho em bicicleta.
    • Reforço dos incentivos à aquisição de bicicletas e apoio às reparações de bicicletas.
    • Programa de apoio à micrologística urbana em bicicleta.
  • Criação de um enquadramento legislativo e programas de apoio financeiro para os municípios elaborarem e implementarem Planos de Mobilidade Urbana Sustentável e Planos Municipais de Segurança Rodoviária. E condicionar os apoios financeiros à existência desses planos.
  • Promover a implementação por parte de empresas e polos geradores e atractores de deslocações de Planos de Mobilidade, e regulamentação para que empresas e centros empregadores com mais de 100 trabalhadores tenham gestores de mobilidade.
  • Determinar que legislação e regulamentação referente à eficiência energética de edifícios e planos e regulamentos urbanísticos municipais tenham em consideração as opções de mobilidade que estes promovem, com a definição de requisitos mínimos de lugares de estacionamento para bicicletas e reversão da política de requisitos mínimos de estacionamento automóvel para estabelecimento de limites máximos.
  • Promover a formação e actualização de técnicos de autarquias, institutos públicos e outros organismos do Estado nas áreas da mobilidade activa, inclusiva e sustentável e cidadania rodoviária.

Desencorajar o uso excessivo do automóvel

  • Estabelecer metas de redução da quota modal das viagens feitas em automóvel, no território nacional e nas cidades portuguesas, e criar fortes desincentivos à aquisição e utilização de transporte motorizado individual.
  • Determinar a imediata eliminação de subsídios e benefícios fiscais ainda existentes a combustíveis fósseis.
  • Introdução da tributação com base na quilometragem em todo o sistema rodoviário.
  • Fomentar a implementação de taxas de congestionamento (“congestion charges”) nas cidades de maior dimensão.
  • Determinar a proibição de todo o tipo de publicidade a combustíveis de origem fóssil e a máquinas e equipamentos que consumam combustíveis fósseis, incluindo veículos automóveis, e de todo o tipo de patrocínios por parte destes.
  • Eliminação dos lugares de estacionamento automóvel gratuitos dos serviços do Estado, em todos os níveis da administração.
9 Curtiram

Muito bom! :ok_hand:t2:
Há um longo percurso a fazer , e enquanto as pessoas no terreno que desenham, planeiam e implementam, não acreditam… não é fácil.
Mas é sem dúvida uma linha orientadora, uma diretriz, que esperemos consiga ter resultados práticos.

1 Curtiu

Obrigado @Rui!

1 Curtiu

A reter: 2 anos para elaborar um Plano Municipal de Ação Climática e elaborar também um PMUS.

1 Curtiu

Pergunta honesta.

Vocês têm esperança??

Digo isto porque 2030 é amanhã já, e queremos até lá fazer a maior alteração cultural da história enquanto no dia a dia não fazemos nada, até pelo contrário na realidade… Por isso a pergunta, vocês tem esperança? Porque eu não tenho, mas adorava ter.

2 Curtiram

O Presidente da República promulgou hoje (13 Dezembro) a Lei de Bases do Clima:

Imagino que seja publicada em DR em breve.
E entra em vigor no primeiro dia do 2º mês seguinte ao da sua publicação. Pelo que se for publicada ainda em Dezembro, entrará em vigor em 1 Fev. 2022.

A redacção final está aqui:

Houve algumas alterações ao texto feitas pelos serviços da AR, explicadas aqui:

2 Curtiram

Em 2049 alguém promulgara o DL que vai expulsar o CO2 da nossa atmosfera… Isto porque dá a ideia que a solução deles é essa…

Publicada em 31 de Dezembro de 2021, Lei n.º 98/2021, entra em vigor em 1 de Fevereiro.

https://dre.pt/dre/detalhe/lei/98-2021-176907481

3 Curtiram
3 Curtiram