Mais de 600 mortes num ano? De todas as idades, desde bebés a velhos? Com corpos desfeitos e despadaçados, desventrados e mutilados? Nah, não pega! Substituam a palavra “automóveis” por “muçulmanos invasores” e venha a revolução!
Número de mortes nas estradas cresceu 12% em 2018. Foram mais 73 do que no ano anterior
Estatísticas constam do relatório da Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária sobre a sinistralidade nos 30 dias após o acidente. Foi nas ruas dentro das localidades que o número de vítimas mortais mais aumentou.
Só no ano passado morreram 675 pessoas no período até 30 dias após o acidente em que estiveram envolvidas. Foram mais 73 do que no ano anterior — o que corresponde a um aumento de 12%. As estatísticas, que mostram quantos feridos graves ou ligeiros acabaram por morrer até um mês depois do sinistro, foram publicadas pela Autoridade Nacional para a Segurança Rodoviária (ANSR). Eram os números que faltavam para conhecer o cenário completo da sinistralidade rodoviária no ano passado.
Em Julho deste ano, a ANSR já tinha publicado o relatório com os dados sobre as vítimas no local do acidente: morreram 508 pessoas, menos duas do que em 2017. Em média, o total de mortos “a 30 dias” aumenta 26,6% em comparação com o número de vítimas no local. Mas no ano passado esse acréscimo foi de 32,9% — 146 feridos graves e 21 feridos ligeiros acabaram por morrer.
Contactada pelo PÚBLICO, a ANSR reconhece que o número de 2018 “é alto face ao padrão verificado nos anos anteriores”, mas não apresenta razões que justifiquem o aumento.
Nas respostas ao PÚBLICO, esta entidade sublinha que “nas últimas duas décadas, Portugal fez grandes avanços na redução do número de vítimas mortais registadas em acidentes rodoviários”. E diz que “em 1996 Portugal registava 272 vítimas mortais por milhão de habitantes, tendo reduzido esse valor em 79%”.
Este ano, entre 1 de Janeiro e 21 de Agosto, já morreram 296 pessoas nas estradas portuguesas (números relativos às mortes no local). No mesmo período do ano passado contavam-se 313 vítimas mortais. A mesma tendência não se verifica em relação ao número de feridos graves, que já é superior ao registado em 2018 — passou de 1278 para 1380.
As estatísticas até agora conhecidas mostram que, no ano passado, em Portugal continental, morreram 69 pessoas em acidentes rodoviários por milhão de habitantes. A média da União Europeia (UE) — que recorre a valores provisórios — corresponde a 49 vítimas mortais por milhão de habitantes.Para João Queiroz, presidente da associação Estrada Mais Segura, esta diferença em relação à média da UE mostra que há centenas de pessoas que morrem “porque somos só incompetentes” no combate à sinistralidade rodoviária.
Atropelamentos fazem 151 mortos
De volta aos números recentemente publicados pela ANSR, o relatório mostra um aumento transversal no número de vítimas mortais por natureza do acidente. No caso dos atropelamentos, registaram-se 151 mortes (mais 27 do que em 2017), as colisões provocaram 274 vítimas mortais (mais 20), e os despistes fizeram 250 mortos (mais 26).
Quanto ao local do acidente, o aumento do número de mortes em 2018 deveu-se, quase na totalidade, às vítimas mortais nos acidentes em arruamentos dentro das localidades — de 190 para 249. Também se registaram mais mortos nas estradas municipais, nacionais e itinerários principais e itinerários complementares fora das localidades.No que diz respeito à idade das vítimas por milhão de habitantes em cada faixa etária, são os jovens entre os 20 e os 24 anos que mais morrem (106) na sequência de acidentes rodoviários. Seguem-se as pessoas com mais de 65 anos (104) e aquelas que têm entre 60 e 64 anos (81).
62% de execução no PENSE
E o que tem sido feito para promover a segurança rodoviária? A ANSR diz que “em conjunto com cerca de 20 entidades tem vindo a desenvolver as medidas previstas no Plano Estratégico Nacional de Segurança Rodoviária (PENSE) 2020, que se encontra com uma taxa de execução de 62%”.Além disso, escreve a ANSR, “tem vindo a desenvolver um conjunto de acções de combate à sinistralidade rodoviária, incluídas no Plano Nacional de Fiscalização elaborado para 2019, em que estão um conjunto de orientações e prioridades para a fiscalização, nomeadamente os locais com maior risco e sinistralidade”.
Para João Queiroz, que participou na elaboração do PENSE, isto é insuficiente. “Em 107 medidas até se pode dizer que muito está feito, mas se forem só daquelas que terão efeitos a muito longo prazo, ou que nem sequer têm efeitos directos na sinistralidade, não se resolve nada”, comenta.O especialista defende que são necessárias mais medidas, de certa forma “impopulares” de fiscalização de quem circula na estrada. “Enquanto não houver vontade política de fazer o trade-off entre votos e melhoria da segurança rodoviária acho que não vamos lá”, aponta. Além disso, há que promover a educação sobre o tema e a “responsabilização de todos os utilizadores do espaço público”.
Tendo em conta os dados dos anos anteriores e o que já se sabe sobre as vítimas mortais de 2019, João Queiroz estima que o ano termine algures “acima das 638 e provavelmente abaixo das 675 — serão cerca de 640”. E prevê que 2020 termine “com mais 200 mortos do que era esperado no PENSE [o objectivo eram 399 vítimas mortais]”. “Era de facto [uma redução] brutal, mas [exequível] se desde o primeiro dia todas aquelas medidas entrassem logo em vigor.”
As minhas desculpas. Fui há uma hora actualizar o comentário que fiz ontem em ‘Sinistralidade Rodoviária’ e não vi que tinham criado este tópico que até inclui dados e gráficos.
Os mortos não votam… fácil.