Qualidade das infraestruturas para velocípedes

Olá.
Desde 2009 que me tenho insurgido contra a falta de qualidade das infraestruturas para velocípedes em Portugal.
Em 2011 e 2012 decidi por-me à estrada e inspecionar todas as pistas para velocípedes que tinham sido construídas até então em todo o território nacional, ilhas incluídos.
Muni-me de uma checklist internacional e adapteia-a.
Dos cerca de 860 quilómetros de infraestruturas para velocípedes sinalizadas como tal o resultado não podia ser mais negativo.
Se o panorama nas redes rodoviárias municipais é um drama que justifica a sinistralidade que nelas ocorre, os troços de pistas para velocípedes é verdadeiramente assustador e assisti a vários incidentes que só não resultaram em acidentes, porque existe uma espécie de proteção divina que «absorve» muitas desatenções.
Há erros clamorosos sobretudo em interseções, que são mereciam que o artigo nº 277 do Código Penal fosse acionado para os autores de tão paupérrimos trabalhos, que colocam diretamente em risco a vida de utilizadores de bicicleta.
Compreenderão certamente que ter uma infraestrutura para velocípedes diretamente orientada em contramão para uma rotunda e saltar de um passeio para a faixa de rodagem com desnível de 12 a 15 cm, é algo que deve envergonhar a quem projeta, quem aprova, quem supostamente fiscaliza e o presidente do município que garbosamente anuncia a sua «ciclovia».
Isto é desrespeito pelos utilizadores de bicicleta.
Fazerem-se troços com inclinações superiores a 10% em centenas de metros de extensão é vergonhoso e são a prova provada de que, quem projeta, não anda ou, porventura nunca de bicicleta, por isso não lhe pesa o esforço nas pernas.
Quem o faz, infringe logo à partida o artigo Princípio da Igualdade, previsto no artigo 13º da Constituição da República.
Se para muitas pessoas já é dificil subir rampas com dezenas de metros a cerca de 6%, com mais de 10% só mesmo para atletas e, mesmo estes, se lhe colocarem um atrelado com duas crianças a bordo, também terão dificuldade em subir.
Por outro lado, há pessoas com bicicletas adaptadas e outras, que têm triciclos para transportarem uma pessoa portadora de deficiência física, que se vêm impossibilitadas de utilizarem certas infraestruturas.
ão basta falar de Planos, Redes cicláveis, isto e mais aquilo, se as infraestruturas não forem adequadas à progressão da bicicleta.
Um utilizador de bicicleta subir uma rampa superior a 10% equivale a um automóvel comum subir uma rampa a 40%. Dificilmente o conseguirão. Talvez alguns SUV e mesmo assim…
Subir um desnível de 2 cm para um utilizador de bicicleta é o equivalente a um automóvel subir um passeio.
Agora, um utilizador de bicicleta comum subir da faixa de rodagem para o nível do passeio, dificilmente o conseguirá, sem parar na faixa de rodagem, ficando sujeito a um encontro imediato com um automóvel.
E tudo isto existe em Lisboa. Pior, é que se insiste no erro.
Para os mais experientes, sugiro que se desloquem ao troço já construído no Vale de Alcântara. Uma rampa com 11% de inclinação em cerca de 200 metros. Quem projetou foi consciencioso. No cimo da rampa colocou um bebedouro.
E para quem desce? Esta rampa está ao lado de um jardim. Como é que será com uma criança que corra em direção à pista para velocípedes, ou um cão, ou uma bola? Como será se se parte um dos travões ou se estão tão simplesmente a travar mal? Ou até uma poeira que entre para um olho, uma lente de contacto que se desloca, um simples espirro, ou seja, qualquer circunstância que altere a direção da bicicleta?
O curioso é que este eixo (Alcântara-Campolide) seria supostamente um dos acessos privilegiados de ligação da zona ribeirinha à parte alta da cidade.
Desenganem-se. Percurso plano, só no papel. Na realidade é um sobe e desce constante que mais parece uma prova de obstáculos. Certamente compreenderão que, se ao lado, a escassos 10 metros está a linha de caminho de ferro, que tem a mesma cota de arranque em Alcântara-Mar e a mesma cota na Estação de Campolide e não ultrapassa os 4% de inclinação, é legítimo perguntar porque razão a pista para velocípedes tem de ter inclinação de entre 5% e 11%.
Se é assim que se pretende incentivar o uso da bicicleta para atingir pelo menos 10% num futuro muito próximo, então bem podem esperar sentados.
Pergunto-me se é isto que queremos mostrar por ocasião da Vélo-city em 2021.
Julgo que deveria haver mais empenhamento dos utilizadores de bicicleta para exigirem infraestruturas de qualidade e com segurança.

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Boa noite,
Esta questão da qualidade das infraestruturas para velocípedes, deve merecer toda a atenção da MUBi.
Há vários tópicos onde surgem fotos e comentários sobre erros de concepção ou construção de ciclofaixas/ciclovias. Ora por vezes a falta de conhecimentos técnicos (substituídos por ‘boa vontade’ autárquica) leva à criação de situações perigosas ou que obrigam os ciclistas a um esforço desnecessário, ou ainda à descontinuidade das vias e à sua consequente fraca utilização. Estou a recordar-me do anúncio de há meio-ano de que Ovar iria investir 630 000 euros a ampliar e melhorar as vias. Iam abrir concurso. É muito dinheiro.
Não sei se quem faz a licitação (e não me refiro ao caso concreto de Ovar) apresenta um caderno de encargos com as exigências e especificações necessárias, se pede um estudo prévio, se as empresas que constroem têm formação e experiência específicas. Pelas críticas que aqui tenho visto, parece-me que por este país fora haverá muito voluntarismo de braço dado com amadorismo.
Quando comecei por dizer que o assunto deve merecer toda a atenção da MUBi, refiro-me à sua capacidade para apresentar ao poder público a sugestão de se constituir um gabinete/grupo/task force, chamem-lhe o que quiserem, com pessoal altamente qualificado nesta matéria, disponível para consultoria, para que não se ande a deitar dinheiro à rua.
Já vi que há na MUBi muita gente que percebe do assunto, mas claro que sendo voluntários não têm disponibilidade para estudarem e aconselharem caso a caso as centenas de autarquias. Merecia uma atenção especial do governo.
Aliás acho que já sugeri isto a propósito da ciclovia da Póvoa de Sta Iria, na altura contestada pelos residentes automobilizados…
A nível nacional serão muitos milhões que estão a ser gastos e gostaríamos que fossem investimentos reais e não fogo de vista para inglês ver.

Bom dia,

Correndo o risco de ser mal interpretado, mesmo assim entendo dever dizer o seguinte:
Até há poucos anos atrás, os projetos de infraestruturas rodoviárias eram realizados quase em exclusivo por Engenheiros Civis, com especialidade em Vias de Comunicação.
De há uma década a esta parte, os Engenheiros foram paulatinamente substituídos por Arquitetos, em muitos casos Paisagistas.
Os Engenheiros sempre tiveram uma visão centrada no automóvel. Os Arquitetos no desenho dos espaços exteriores.
Constata-se que raramente os técnicos com essas profissões, utilizavam ou utilizam a bicicleta nas suas deslocações diárias, sendo de admitir que haja uma maior consciencialização da maior utilização da bicicleta por parte dos arquitetos.
Contudo, a estes técnicos falta-lhes muito mais que o conhecimento que vão adquirindo no Google. Falta-lhes a componente de desenho geométrico das estradas.
Digo isto e a prova está à vista. Só em Benfica, registaram-se os seguintes acidentes, com a assinatura de arquitetos:

  1. Na sequência uma adaptação de marcas junto a uma passagem de peões, logo na primeira semana houve um acidente extremamente aparatoso, com vítimas e danos materiais, como nunca se registou naquele local;

  2. Na sequência de instalação de uma rotunda numa zona de vivendas, 9 dos 11 acessos a lotes e garagens ficaram impossibilitados de deles sair ou entrar sem cometerem uma infração punível com sanção pecuniária prevista no Código da Estrada. Esta rotunda foi objeto de demolição e reconstrução por 3 vezes, até que permitisse a manobra de viragem de autocarros da Carris e já foi palco de um despiste violento.

  3. Num ilhéu central implantado numa artéria importante, foi suprimida uma via para a segregar numa viragem à esquerda para o interior do bairro de vivendas, ou seja, exatamente aquilo que as melhores práticas internacionais recomendam, para não devassar a tranquilidade de zonas residenciais.

  4. Com a criação deste ilhéu para sobrelevar uma passagem de peões, na primeira semana houve um acidente grave. A passagem sobrelevada tem sido palco de múltiplas raspagens da carroçaria de autocarros, a ponto de um veículo articulado ter desprendido a parte rebocada.

  5. Numa determinada zona, foi realizada uma intervenção de fundo, transferindo o problema para franjas da zona intervencionada, com graves repercussões em termos de segurança rodoviária e aumento das emissões de gases poluentes provocadas pelas filas com mais de 300 e 400 metros que se passaram a formar todas as manhãs a montante daquela zona.

  6. Recentemente, foi realizada uma intervenção numa rua importante do bairro, em que foram pintadas marcas longitudinais que colocam os condutores que estacionem nessa rua, em direta infração. Noutro ponto desta mesma rua, foi criado um ilhéu central (entretanto já demolido) que num só dia foi palco de 7 acidentes.

No caso das ciclovias, muito do que foi feito em todo o país e que está sintetizado na cidade de Lisboa, é de paupérrima qualidade e a MUBi tem dado conta de algumas situações.
Uma das últimas realizações é a ciclovia do Vale de Alcântara. Aqui, foram gastos centenas de milhares de euros, poupando onde era fácil fazer melhor e gastando onde era possível fazer melhor e por menor custo.
Quem saiu prejudicado foi o utilizador de bicicleta, que dificilmente superará os 11% de inclinação de um troço de 200 metros. Depois, quando chegar ao cimo dessa rampa, pode beber uns goles de água e prosseguir viagem descendo a 5% em direção a Campolide. Tudo isto evitável, e basta comparar com a linha de comboio Alcântara-Terra / Campolide que sobe a menos de 4%, ou seja, a mesma inclinação recomendada para infraestruturas para bicicletas.
Para a fotografia, os políticos irão dizer que ligaram a zona ribeirinha à zona alta da cidade, que foi feito um investimento de vários milhares de euros e que conseguiram ampliar a «rede» de ciclovias em mais uns quantos quilómetros.
E os ciclistas? Será que irão utilizar esta infraestrutura? Os que a utilizarão conseguirão progredir sem desmontarem da bicicleta? Alguns sim. Outros nem tanto e a maioria creio que não conseguirá alcançar o topo sem desmontar, a menos que utilize uma bicicleta elétrica. Ficam algumas fotos.

!
Neste caso como em tantos outros, a MUBi sai mal nas fotografias, na medida em que o seu nome está colado à CML e à EMEL, tal qual como acontece com outras associações.

Este caso mereceria ser explorado para que mais casos não se repetissem.
A meu ver, esta obra deveria ser embargada, interditada a sua utilização por falta de condições de utilização e de segurança, cuja sanção deveria ser a sua correta reformulação, acompanhando a inclinação da linha do comboio. Talvez assim, se passasse a dar uma outra atenção a este tipo de infraestrutura.

Só a título de curiosidade, as subidas numa infraestrutura rodoviária de tipo Estrada Nacional estão limitadas a 9% e em autoestrada a 6%. Em qualquer dos casos, deverão ser consideradas vias adicionais para circulação de veículos em marcha lenta. Será que um utilizador de bicicleta tem melhor desempenho que o motor de um automóvel?

Ep, essa subida é violenta, só mesmo para atletas!

Vi que já partilharam nas redes, mas fica também aqui para referência. É uma boa métrica para comparação com outros países.

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