Responsabilidade civil é-nos incutida a todos por lei. Claro que alguém pode causar danos com uma bicicleta, mas eu não preciso de um seguro para assumir as minhas responsabilidades. Mesmo alguém que tenha um seguro pode fugir…
O seguro serve para cobrir o risco de se dar um acidente no qual eu não tenha capacidade financeira de ressarcir a pessoa que lesei. É muito fácil isso acontecer ao volante de um carro, não só porque o risco de ter um acidente é muito maior, como o acidente é tendencialmente muito mais grave. Porque o risco existe em todo o lado. Até enquanto peões, podemos tropeçar, ir a correr, distraídos por algum motivo e darmos cabo de um espelho de um carro estacionado.
A verdadeira questão aqui é, a partir de que nível de risco se justifica obrigar a cobrir esse risco com um seguro.
As matrículas é mais ou menos a mesma coisa… um carro é um veículo que pelas suas características dá para cometer uma série de contraordenações que atentem contra a vida de terceiro, que auxiliem na prática de crimes… enfim, muita coisa. Ninguém sequestra ninguém numa bicicleta, mas fá-lo num carro. É praticamente impossível alguém fazer acontecer um acidente mortal e fugir de bicicleta, mas é bastante mais fácil num carro. Ninguém foge à polícia de bicicleta, mas foge de carro. Será difícil transportar bens preciosos roubados numa bicicleta (em particular se forem volumosos), pelo menos sem dar nas vistas, mas é fácil num carro. Um carro é um bem muito mais caro que uma bicicleta, e a existência de matrículas ajuda a recuperá-lo em caso de roubo. E podia-me lembrar de mais n situações que justifiquem muito mais a matrícula num carro que numa bicicleta. Nem vale a pena referir as centenas de pessoas que morreram o ano passado, no qual o objecto potenciador dessas consequências foi sempre um carro (ou um motociclo).
A juntar a isto, a bicicleta é um objecto simples e simplificador. Da sua deslocação depende apenas e só a nossa capacidade física. Diante disto, se queremos mais pessoas a usar a bicicleta, usá-la deve ser tão simples quanto possível. E quando ela é tão simples quanto uma sociedade pode conceber, torna-se tão simples como caminhar. Esse só não é o caso em Portugal porque as infraestruturas rodoviárias são de facto ainda um desafio grande a uma circulação tranquila e descomplicada. É verdadeiramente complicado quando se vai a um sítio que nunca se foi, e tem de se andar em Google Maps e outras aplicações do género a ver qual será a melhor rota, de modo a evitar a estradas mais perigosas.
Dito isto, não devemos nunca esquecer que deslocações e transportes… são deslocações e transportes. Por definição, não precisam de nada disto. O que traz a necessidade deste tipo de coisas são as características dos veículos nos quais as pessoas se fazem deslocar. Se assim não fosse, andávamos todos também com matrículas na testa quando caminhássemos, e éramos também obrigados a pagar um seguro de responsabilidade civil por caminharmos na rua, mesmo os mais carenciados.