Redes piratas... em Matosinhos

Dada a importância económica e social das infraestruturas de transporte, e, em particular, os riscos humanos associados à operação, é exigido aos técnicos que as projectam competência técnica e elevado sentido de responsabilidade.
No entanto, parece haver excepções.
Em Portugal, as redes cicloviárias são exemplo disso. Nos últimos anos, têm brotado uma série de infraestruturas (desde as ecopistas às ciclofaixas) que denotam a reduzida experiência nacional neste domínio, a impreparação técnica dos autores, e a irresponsabilidade dos mandatários.
Por esta perspectiva, os sistemas cicloviários parecem resultar da combinação problemática de um fogacho político (alimentado por fundos europeus) com o amadorismo técnico.

Em Matosinhos, nas últimas semanas, têm sido levadas a cabo várias intervenções no espaço público, procurando implementar uma série de percursos cicláveis. A ideia subjacente a estas operações será a de estabelecer uma rede, articulada e segura, para os utilizadores da bicicleta. Uma boa ideia, dirá a maioria, e um bom investimento, dirão alguns, correspondendo à melhoria das condições de segurança e conforto para os ciclistas.
O problema está nas soluções implementadas, fazendo cair por terra os objectivos iniciais.

Trago dois exemplos: a marcação de “sharrows” na ponte móvel (do porto de Leixões), e a marcação de percursos cicláveis sobre passeios.

Atentemos às imagens.

A marcação de “sharrows” (de “share” + “arrow”) na via tem como principais objectivos indicar a posição de circulação na via (apoiando e salvaguardando o ciclista), alertar os condutores para a circulação de bicicletas (e promover ultrapassagens seguras), bem como formalizar uma rota (i.e. um trajecto amistoso para os utilizadores de bicicleta).

Ora, a pintura das sharrows realizada sobre a ponte estabeleceu uma espécie de “tapete”, dada a frequência dos símbolos e a reduzida distância entre os mesmos. Tal marcação parece querer indicar a existência de uma faixa para a circulação de bicicletas, transmitindo uma (falsa) ideia de segurança.
A posição das sharrows é também lamentável, parecendo querer indicar aos ciclistas que devem circular o mais à direita possível. Um dos principais propósitos das marcações - definir afastamentos de segurança face às margens - é deturpado, e pior, usado como instrumento “disciplinador” arrastando os ciclistas para a berma (onde estão instaladas guardas metálicas).
O resultado é o que se vê na imagem seguinte: a bicicleta empurrada para a margem, enquanto os automobilistas reivindicam a domesticação daqueles que teimam por ali passar em duas rodas, não motorizadas.

Mas as marcações das sharrows naquele curto espaço não deixam de espantar. A inventividade leva a tomar aquela sinalização (não prevista na regulamentação nacional) como “marcas orientadas de sentido de trânsito”. A fotografia apresenta o génio criativo do autor:

Assim, o tal percurso ciclável é direccionado para o passeio, sendo utilizada a passagem de peões como passagem para ciclistas. Afinal, não é tudo, mais ou menos, o mesmo?!

O trajecto seguinte o confirma: peões e ciclistas podem conviver amigavelmente, por entre degraus e rampas de pendente acentuada, por percursos sinuosos e pavimentos vários.
Matosinhos reinventa assim o “parcours”… ou entende que a mobilidade em bicicleta é dedicada à BTT.

E assim chegamos aos percursos cicláveis sobre os passeios.
Importará antes de mais recordar o ponto 1, do artigo 17º do Código da Estrada:
«Os veículos só podem circular […] nos passeios desde que o acesso aos prédios o exija, salvo as exceções previstas em regulamento local.»
Sendo previsto no número 3, do mesmo artigo, que:
«Os velocípedes conduzidos por crianças até 10 anos podem circular nos passeios, desde que não ponham em perigo ou perturbem os peões.»
O sentido da nova legislação é claro: a bicicleta é entendida como um veículo (equiparado a automóveis e motociclos), representando a circulação sobre a infraestrutura pedonal um factor de perigo e insegurança.

Esta última situação, retratada na imagem, é de tal forma caricata que será uma pena reduzi-la com qualquer comentário.

Infelizmente, os executivos municipais (de Matosinhos e de tantos outros concelhos do país) ainda não compreenderam que as soluções que têm vindo a implementar não servem os propósito de base, correspondendo antes a um factor de ruído (mediático) e insegurança (para todos os utilizadores da via).
O maior problema está no descrédito que se gera sobre (estes) sistemas cicloviários, minando a possibilidade de reduzir a dependência automóvel, promover modos de vida mais saudáveis e melhorar o ambiente urbano.

É razão para dizer:
«Ah piratas, piratas»!!

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Como fazer inverter a situação?

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@paulosilvestre,
Que bela análise a mais um mau serviço prestado pelos nossos dirigentes e responsáveis autárquicos.
As duas primeiras imagens não carregaram bem :frowning:

Penso que mais uma vez a MUBi deveria pedir uma reunião com os responsáveis a fim de se prestar a dar qualquer apoio e aconselhamento sobre estes temas.

Estes exemplos só nos dão força e vontade de continuar a pugnar por mais e melhores condições, que não são estas que em Matosinhos foram concebidas. Isto é um belo exemplo de como não se faz!

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Paulo Silvestre
Gostaríamos de obter a sua autorização para publicarmos este mesmo conteúdo e fotografias no Portal de Leça da Palmeira (www.leca-palmeira.com). Antecipadamente grato, aguardo a sua confirmação.
Cumps, João Paulo
[email protected]

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Incrível. É querer fazer, não saber como, e fazer de qualquer maneira. O querer fazer é positivo no entanto.

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@paulosilvestre, estes conteúdos podem ser partilhados, certo?

com certeza a maioria desses “exmº funcionários”, tal como aqui no brasil, só andam em automóveis. não têm a menor noção de ciclismo. mas querem muito aparecer na mídia a inaugurar obras ridículas.

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Cambada de incompetentes. Deveriam ser obrigado a usar estas “infraestruturas” todos os dias com os seus filhos a reboque. Talvez assim aprendessem a desenhar ciclovias decentes.

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Sim…

Faz-se notar, contudo, que no caso de replicação dos artigos deverá ser feita referência ao autor, bem como ao local onde foram inicialmente publicados (Fórum da MUBI - Associação pela Mobilidade Urbana em Bicicleta).

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