Esta semana, a Maria João e o Leopoldo, que na sua loja vendem jornais e respectivas colecções, chamaram-me a atenção para o caso do IVA do chá. O PÚBLICO tem uma nova colecção – Companhia Portugueza do Chá – que vem numas caixinhas todas giras com o chá em folhas soltas, composta por cinco espécies diferentes de chá e uma tisana. Graças a esta iniciativa, fiquei a saber que o longo braço da Autoridade Tributária também já chegou aos chás para efeitos de IVA: o chá branco, o chá Pu-erh e a tisana da colecção do PÚBLICO pagam apenas 6% de IVA, enquanto o chá verde, o chá preto e o chá Oolong pagam 23%.
Porquê? Está tudo devidamente explicado numa informação vinculativa da AT de 2007 dedicada em exclusivo ao chá e às infusões (processo T120 2006132), que o site Mais Rigor fez o favor de desbastar. Vale a pena acompanhar a argumentação. Existe uma lista de bens e serviços ditos essenciais que beneficiam da taxa reduzida de IVA. Entre eles (alínea 2.5.d), as “plantas, raízes e tubérculos medicinais no estado natural”. Sempre muito generosa, a AT considera que o chá tem uma “acção farmacológica ou terapêutica”, pelo que o encaixa na categoria de planta medicinal, beneficiando do IVA reduzido. Mas – e este “mas” é tudo – só se estiver no estado “natural”.
Felizmente, a AT tem um departamento de Metafísica disponível para explicar o significado ontológico do conceito de “natural” no domínio do chá. Assim, o chá permanece “natural” mesmo após colhido, secado, conservado e acondicionado – logo, IVA a 6%. Já se tiver o azar de ser moído, apresentando-se em pó ou em grão, a AT entende que ele foi “transformado”, abandonando lamentavelmente o seu estado natural – logo, IVA a 23%. A não ser, claro, se for consumido numa casa de restauração – aí, o IVA é 13%. Neste último caso, o chá branco tem azar – deixa de ser considerado um bem de primeira necessidade – e o chá verde tem sorte – abate 10% no IVA. Donde, num estabelecimento onde seja possível beber chá e comprar chá, o contribuinte faz o bingo: tem chá com 6%, 13% e 23% de IVA.
Como é óbvio, aquilo que se passa com o chá passa-se com centenas de outros produtos, onde
o afável monstro do fisco se empenha em meter o dente com um frenesim e uma minúcia ao
nível da mais dedicada angelologia medieval.
Nas próximas eleições, peço encarecidamente que me arranjem um partido que faça uma única promessa: abster-se de inventar novas leis durante quatro anos e limitar-se a remover todos os decretos, regulamentos, alíneas, directivas e informações vinculativas que sejam absurdas, picuinhas, delirantes, inaplicáveis e ostensivamente estúpidas. Declaro desde já que esse partido conta com o meu voto – e um chazinho para acompanhar.